Olhos na bola
Enquanto andamos todos entretidos com a discussão no congresso dos EUA - e a discutir se isto é ou não o fim de liberalismo - estamos a tirar os olhos da proverbial "bola", a Libor-OIS spread.
Para quem não é familiar com estas expressões, a Libor-OIS spread é a medida usada pela Reserva Federal para medir o "pulso" ao mercado interbancário. Básicamente, é o prémio de risco pago por empréstimos em dólares, face á swap "diária" do dólar. Em português, quanto tem de se pagar de risco para se emprestar em dólares a outros bancos.
Obviamente, quanto mais alto o valor, maiores os medos - eu peço maiores prémios de risco se tenho medo que a pessoa a quem "empresto" é mais arriscada. Nos últimos dias esta "taxa" tem subido... na vertical!
As consequências são bastante simples: os bancos não estão a emprestar uns aos outros. Para quem possa pensar "e o que é que isso tem a ver comigo?" a resposta é ainda mais simples: tudo!
O mercado interbancário é onde os bancos emprestam dinheiro uns aos outros para gestão de liquidez diária. A taxa de juro destes empréstimos (Libor nos EUA, Euribor na UE e Tibor no Japão) é o que estabelece a taxa de juro para todos os mercados. [Sim, o BCE não estbelece esta taxa por decreto, ao contrário do que é "vendido" por aí].
Mas a grande pergunta aqui não é "o quê?" mas sim "porquê?". Numa frase simples, os bancos pura e simplesmente não confiam uns nos outros. Note-se que, durante o último ano foi sendo feita uma brincadeira (eu diria fraude, mas vamos ser “simpáticos”):
Na ausência de preço “publico”, os bancos foram autorizados a fazer “mark to model” no que hoje é conhecido como "lixo tóxico". Ou seja, “façam lá um modelo para dar um preço que vos convenha”. Isto chama-se, segundo os standards contabilisticos deles, Level III accounting (sendo Level I, mark to market, Level II mark to observable inputs).
Por exemplo, a Goldman Sachs tinha em Agosto último 72 mil milhões de dólares nesta conta. A conta de capital próprio, por exemplo, só tem pouco menos de 50 mil milhões de dólares. Ora, os valores actuais em Level III em wall street “assumem” um preço médio de 70/80 centimos por cada dólar de "activos manhosos".
A wake up call foi a falência da Lehman Brothers. Quando uma empresa abre falência, os detentores de obrigações colocam-se em fila para receber o seu "quinhão". Normalmente, sofrem perdas. Mas, numa empresa estilo Lehman Brothers, não sofrem muito. Por cada 1 dólar emprestado, Secured Debt recebe em média 75 centimos. O problema foi que, os 110 mil milhões de dólares em Secured Debt passaram de 95 centimos para 12 centimos (ou seja, por cada 1 dólar, perderam 88 centimos). Com a Unsecured Debt a valer essencialmente zero, isto mandou um sinal claro como água: havia um buraco de 110 mil milhões de dólares no balanço da Lehman Brothers.
Pode isto acontecer sem ser fraude? Não! E os bancos sabem isto melhor que ninguém...e heis que se lança a dúvida: quem mais andou a brincar com os números?!
Dado que os Bancos Centrais não promovem a resolução do problema - injecções de liquidez são o equivalente prático a dar heroina a um viciado, para combater a dor de cabeça da ressaca inicial - os bancos estão a tentar o mais possível esconder isto. E em caso de dúvida, não há dúvida: não sei quem tem o lixo mal "marcado", então não empresto a ninguém! E heis que o mercado de crédito interbancário congela, levando consigo o mercado de papel comercial (obrigações com maturidade inferior a um ano, usadas por empresas não-financeiras!).
Enquanto a Reserva Federal não se deixar de "injecções" e não exigir aos bancos os seus reais valores - e no limite, tomar conta da "loja" eliminando total ou parcialmente os accionistas - não vamos sair destas tensões.
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Abraços,
Guilherme Diaz-Bérrio
"Os economistas passam metade do tempo a fazer previsões. A outra metade passam-na a explicar por que se enganaram"
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