o preço do Crude é uma (singular) de várias (plural) das componentes que entram na “formulação do preço” da gasolina (detesto esta expressão, mas fica aqui para clareza).
No processo de refinação existem vários custos que devem ser tido em conta para produzir um litro de gasolina refinada:
1. Preço da matéria prima – Crude Oil (já cá voltamos daqui a uns momentos)
2. Qualidade da matéria prima, e nesta matéria existem vários tipos de crude:
a) Light Sweet Crude oil, crude com muito baixo teor de enxofre, extremamente facil de refinar e, actualmente, com muito pouca oferta;
b) Heavy Sour Crude oil, crude muito mais “pesado”, com alto teor de enxofre, logo muito mais dificil de refinar. Note-se que 95 por cento do parque refinador MUNDIAL não tem capacidade de refinar este tipo de crude de forma a ter o mesmo custo que o anterior. Note-se também que este tipo de crude é hoje o mais comum. Por exemplo, a maior parte das exportações do Irão – segundo maior produtor da OPEC – são Heavy Sour, não são Light Sweet.
c) “Areias”, que tecnicamente não é crude, pelo que o processo de refinação tem de ser antecedido por um processo de “purificação”. Exemplos são o Canadá e a Planicie do Orinoco, na Venezuela. É um crude “extremamente” ineficiente e caro de explorar - +- 80 USD/barril util.
3. A margem de lucro, conhecida no mercado com “crack spread”:
Neste ponto existe um enorme mito – quanto maior o preço do crude, mais a refinarias ganham. ISTO NÂO È VERDADE! Para uma refinaria, um barril não é fonte de receita mas sim de custo!!!! (se fosse verdade, então a farinha com que o padeiro faz o pão também seria receita, e dúvido muito que essa cole em muitas cabeças). Para aqueles que estão a pensar “AHAH! Mas e os stocks? Galp compra a 100, mas quando refina já vale mais...ganham dinheiro aqui?”, a minha resposta é “efeitos de fluxo de caixa”. Pensem lá um pouco num conceito chamado “custo de reposição”. O dinheiro que ela aparentemente faz nos stocks vai sair quando tiver que “recomprar” stocks para gasolina futura. É um mero efeito de caixa, não é lucro. Por isso é que a taxa Robin Hood não é mais que um pagamento “adiantado” de lucros futuros, e não um “impostos sobre lucros extraordinários”. E já agora, nenhuma petrolifera gosta de ter stocks, ao contrário do que circula por ai.
Pensem lá um pouco comigo: temos uma loja que vende rebuçados e vendemos 100 rebuçados por mês. Por cada rebuçado em armazém temos de pagar custos de 0,10 centimos (mais explicações no ponto 4). Agora digam que razão têm vocês para ter mais de 100 rebuçados por mês em armazém?! Favor substituir rebuçados por barris e percebem o que quero dizer. [E neste ponto, referir que 65% das reservas da Galp são as “Reservas Estratégicas do País”, que a Galp é obrigada por lei a armazenar, pelo que a Galp está a ser taxada por uma “obrigação legal” que nada tem a ver com a sua “normal operação”].
4. Taxas de juro (no que diz respeito a inventários):
Quanto maior a taxa de juro, menor o incentivo para uma empresa – faça ela rebuçados ou gasolina – em manter inventários, dado que maiores taxas de juro aumentam os custos de armazenamento e aumentam as opções que uma petrolifera tem em criar poupança em vez de fazer inventário (que é um custo, by the way!)
5. Preços internacionais de gasolina refinada (NY Harbor Rbob para os EUA, Platts de Amesterdão para a Europa):
O mercado de gasolina é razoavelmente concorrencial (no que diz respeito à refinação) e, dado que é transaccionado em mercados de futuros muito liquidez, altamente arbitrado. Quer isto dizer que vender gasolina a preços mais baratos ou mais caros que a referencia internacional é tarefa próxima do impossivel, e os preços tendem a reflectir tanto a situação de stocks como os preços das refinarias mais “competitivas”. (e não, não é manipulado... o mercado é grande demais para ser movido por um só agente!)
Posto isto, vamos lá a um ponto da situação actual:
Se é verdade que o crude cai dos máximos, queda esta fruto da redução dos consumos mundiais em 3 milhões de barris dia no primeiro semestre (no final de 2007, o mundo queria consumir 89 milhões mas a produção está “estagnada” nos 85 à cerca de 3 anos, e por cada 1 milhão de barris de excesso/quebra de procura o preço varia 15 USD/barril – elasticidade preço-procura) também é verdade que os inventários nos EUA estão em minimos. Quando digo minimos refiro-me a existir falta de gasolina em bombas e já temos senadores a falar em “racionalização” (falo dos EUA porque eles divulgam semanalmente os dados dos stocks de gasolina, crude e gás natural – todos a cair para mínimos históricos de 20/30 anos, mas o panorama europeu é bastante semelhante [se não o fosse, bastava exportar barris de cá para lá e ficar com a diferença, logo os stocks dos dois lados do Atlantico tendem a ser iguais]).
Também note-se, que devido a alguns custos acima, as margens de lucro (“crack spread”) tem sido durante grande parte dos últimos 12 meses negativa. Sim, as refinarias têm PERDIDO dinheiro a refinar e vender gasolina. Não acreditam? Então vão lá abrir os resultados da Galp e vejam a quebra de lucros na rúbrica de Refinação e Venda, que desde 50% em 12 meses. Ou vejam lá as noticias – lá fora, porque por cá os jornais valem pouco – de que a Exxon Mobil (maior petrolifera do mundo) vendeu as suas refinarias e postos de venda porque, e passo a citar, “estava a ter enormes prejuizos com elas” (isto na altura do crude a 150 USD, entenda-se!).
Também note-se que além de todos os investimentos que a Galp tem de fazer no Tupi (Brasil) – que poderão argumentar “não tenho nada a ver com isso” – quando o crude, em 2007 subiu 70 por cento, os combustiveis só subiram 50 por cento. (Alias, subiram menos em Portugal que no resto da EU27, mas isso já não se cita). Advinhem lá quem “pagou” a diferença? Uma dica: não foi nem o Estado nem o consumidor final!
Por último, e para todos os que ainda julgam que os preços sobem mais depressa que descem, ou que não seguem os mercados internacionais, favor ver o gráfico:
PMVP é o preço de venda médio ao público por cá, Platts é a referencia europeia em Amesterdão de preços de refinação à saida da mesma, Refinaria é o preço à saida da Refinaria da Galp e Brent(-2) é o preço do Brent ajustado duas semanas para trás. O ajuste é devido a um simples facto: quando compram crude, ou o vão buscar a Cushing, Oklahoma ou a Amesterdão. Dai ainda têm fretes e tempo perdido de modo a traze-lo para Portugal (Sines ou Matozinhos, barcos ou camiões-cisterna). Agora reparem lá como os preços se seguem quase como se fosse um espelho (para cima e para baixo).
Se querem “queimar” alguém, culpem a OPEC, ou os “analistas” que durante anos enganaram meio mundo ao dizer que o “pico do petroleo” não existia!
E é também normal que as descidas sejam mais agressivas, percentualmente, num país onde os impostos sejam mais baixos. E as subidas idem (os combustíveis subiram percentualmente mais nos EUA porque têm muito menos impostos lá).
A Espanha só não terá sido tão agressiva na subida porque, durante a subida, baixaram os impostos sobre os combustíveis (ao passo que em Portugal esses impostos subiram, dado que um deles, IVA, é proporcional ao preço da gasolina à saída da refinaria).
Isto para explicar o porquê de cá descer mais devagar... também subiu mais devagar.