Como retirar uma porca da engrenagem...
Antes demais este é o meu post neste forum. Espero que gostem :ysmile:
Nada é mais destrutivo que um político em pânico. Isto é especialmente verdade em ano de eleições! Embora concorde que por vezes a psique humana se sobrepõe - parcial ou totalmente - aos fundamentais, o que se passou ontem é grave, e altera fundamentalmente essa permissa de análise. [DISCLAIMER: Este texto a seguir não deve levar a conclusões como "o fim do mundo está ai" ou "vamos para uma depressão". A conclusão são tempos complexos, mas os mercados ainda cá ficaram para mais uns anos... on with the show] Vamos lá ver as reais implicações do já famosamente infame "ban ao short selling": Ao contrário do que circula por ai, o short selling não só não é mau, como é uma peça essencial neste processo que é o mercado. Da mesma forma que quem considera uma acção sub-avaliada pode "comprar" essa acção, exercendo pressão conjunta para "alinhar" o preço actual com um "justo" (por justo entenda-se um ditado pela força do mercado), o mesmo raciocinio aplica-se ao short selling. Mais grave ainda, o short selling é a principal ferramenta que reduz a "assimetria" num mercado. Se todos só comprar-mos os preços tornam-se bolhas. Também é uma parte essencial no processo de arbitragem entre acções de vários mercados: por exemplo, empresas cotadas ao mesmo tempo na Europa e nos EUA. "shorta-se uma, compra-se a outra" é o mecanismo que mantém as acções com o mesmo "valor", e é isto que se chama arbitragem. Short selling também é um dos principais mecanismos de REDUÇÂO de risco num portfólio. Se isto não parece fazer sentido em alguns pensem no seguinte: Imaginem que vocês consideram que as empresas do S&P500 estão saudáveis (não estou a fazer considerações sobre se estão ou não... that's not the point), mas não têm confiança nenhuma nos bancos. Imaginem que vocês querem ter exposição ao indice - não tendo carteira para comprar as 500 acções. Compram o CFD ou o ETF. Mas não vos faz sentir muito bem saber que 30% - proporção das earnings finantials na earnings totais do S&P500 - daquilo é potencial downside de bancos (outra vez, não estou a fazer considerações que sim ou que não). Então shortam bancos, ou melhor ainda, shortam o indice/ETF dos bancos dos bancos, na proporção de 1/3 da vossa posição. Assim, vocês têm um portfólio imunizado a sector bancário, mas sujeito aos movimentos das restantes empresas. Note-se que muito poucos investidores são "short sellers" puros, mesmo os hedge funds. Isto porque, enquanto que em long o limite é +infinito, em short o limite é +100% (abaixo de zero não vão, neh?). O short selling é usado como imunização e cobertura de risco por 90% do mercado com volume. É alias, uma actividade mais perigosa devido a squeezes. Bem, esta ferramenta acabou de desaparecer... Mas mais grave ainda, é o mercado de opções: Options são um dos derivados mais importantes a par dos futuros. Dão-vos o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um activo a preço x, em época y. Dão-vos certeza num ambiente de incerteza. A liquidez primaria são market makers e especuladores que tomam a posição contrária. Mas mesmo "especulação" é bastante mortal (mais mortal que forex). Quem negoceia warrants (ou como eu, já negociou) sabe: 99 por cento morre sem valor, ou apanham com perdas grandes. O mercado de opções também é uma enorme fonte de informação. O famoso VIX é calculado apartir da volatilidade implicita das options sobre o S&P500. Mede o prémio pago nas puts (quanto maior a volatilidade maior o preço a pagar pela protecção), pelo que é a medida por excelencia de risco. Muitas probabilidades, preços e medidas de risco são extraidas dos preços e volatilidades implicitas das opções. O problema aqui é que, de modo ao mercado de opções operar correctamente é condição necessária haver short selling!!!! Passo a explicar: quando vocês querem protecção, o market maker tem que fazer um hedge ao se "livro de ordens". Se não o fizer, ele tem vos cobrar um premio mais elevado, tornando a protecção mais cara e, por consequencia, tornando o mercado mais arriscado. A forma que ele, market maker, faz isto é via "short selling" da acção subjacente. É por isso que as "protecções" têm preços razoáveis. Se não existir short selling, além de secar liquidez no mercado (pensem mercado de warrants em Portugal, para terem uma ideia de um mercado de options não liquido) introduz prémios mais elevados nas puts. Pela put-call parity (paridade entre o valor de uma put e uma call), torna as calls mais caras. No limite, isto pode levar a uma disrupção parcial ou total do mercado de opções, esse uma peça fundamental na gestão de risco. E se as pessoas não podem, ou não têm dinheiro para, cobrir os seus riscos - seja por não poderem shortar ou pelas puts estarem caras demais - isso significa que preferem não comprar. E a ausencia de bids provoca quedas - dado que quem quer "oferecer"/vender, tem de ir baixando o bid à procura de alguém! Um outra nota importante da ausência de short sellers é que, em quedas, estes são os únicos que estão a comprar. À medida que o preço vai descendo, eles vão profit taking - comprando - amparando a descida. À medida que esta abranda outros short sellers seguem na cobertura. O short selling serve uma função de "almofada". Almofada esta que não existe neste momento... Esta disrupção poderá significar o fim de muitos fundos, não só long-short hedge funds, mas fundos 130-30 e fundos de arbitragem, cujas contas estão precisamente em bancos importantes como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley (e a última coisa que estes dois precisam é que fundos de investimento sejam forçados a encerrá-las). Sobra uma questão, que muitos poderão fazer: "Os bancos, com isto não vão descer mais!!". Bem, isso não é necessariamente verdade. O problema reside no RTC-II. Para quem não sabe, o RTC-II é o Resolution Trust Corp, versão 2. Versão 2, porque a primeira versão surgiu no final de '80, inicios de '90. Quando as Savings & Loans faliram, a FDIC - a "seguradora" dos depósitos - ficou com imensos activos nas mãos. O RTC "original" serviu para vender esses activos no mercado aberto, e recuparar algum dinheiro perdido pelos contribuintes. O problema aqui é que, embora tenha o mesmo nome - ao que parece vai ter, ainda não está confirmado - é fundamentalmente diferente. Lembram-se do MLEC, aka "Super SIV"? Na altura em que o mercado de papel comercial falhou, pensou-se em criar um super fundo para armazenar o papel que o mercado não queria - ou que não estava disposto a pagar um preço alto. (Nota: este papel caiu, não por influencia de "short sellers", mas sim pela ausencia total de compradores, forçando os "market makers" a anúnciar bids sucessivamente mais baixos, de modo a descobrir alguém disposta a...) A ideia falhou porque: 1. Os potenciais vendedores queriam "preços justos" - justos para os seus balanços entenda-se; 2. Os potenciais compradores não estavam dispostos a oferecer "preços justos", pois consideravam que estavam a pagar demais por "lixo". Ora o RTC-II é a mesma ideia, mas desta em vez em grande. E com uma diferença fundamental - desta vez é o contribuinte americano que vai para o "lugar do morto". Mas a grande questão nem reside aqui, mas sim no preço dado. Muitos bancos moveram muito deste papel - que já não transacciona - para Level 3 assets, ou seja, mark to model (aka, mark to make-believe). Muitos bancos têm mais "dinheiro" aqui, do que na conta de capital próprio dos seus balanços (a Goldman Sachs e a Morgan Stanley, por exemplo, estão nesta situação, entre outros). E a desculpa é "não existem preços públicos". Ora, o RTC-II divulgaria um preço "público", e forcaria perdas nesta parte do balanço. A única maneira de evitar era não divulgar o preço das "compras" do RTC-II. Mas isto constitui 2 problemas adicionais. Em primeiro lugar, a confiança no sistema. Isto é o "livro de regras do Japão" (e todos sabemos como essa feliz história acabou), com uma pequena diferença: o Japão tinha 30% de taxa de poupança. Os EUA são dependentes de "financiamento externo" e, em última análise, do seu Rating AAA. Ou melhor, da percepção do seu rating, porque mesmo que não o alterem, alguém julga que os investidores não vão exigir maiores prémios de risco, depois de medidas dignas de países como a Rússia, o Paquistão ou a Venezuela? Em segundo lugar, não divulgando os preços, o RTC-II terá obrigatóriamente de exigir "equity" em troca (há mesmo quem argumento que isto acontecerá de qualquer maneira, porque os bancos serão descapitalizados pelas recentes medidas tomadas). Ora isto significa uma coisa: diluição dos actuais accionistas. (E para quem está a pensar "diluição?" pensem "preço desce". Lembrem-se dos aumentos de capital dos bancos britanicos e o efeito no preço das acções dos mesmos, que desceram porque foram diluidas. A única diferença aqui, é que o "subscritor" é o Estado). E não se esqueçam: não há ninguém para amparar a queda, fazendo profit taking durante essa diluição, as puts estão mais caras, pelo que a percepção de risco aqui irá ser maior, criando um efeito bola de neve no aumento do prémio de risco norte-americano. É por tudo isto que, fazer contas a bottoms aqui é um exercicio de "leitura de folhas de chá", ou futurologia educada. O Dólar estará sobre pressão, apenas com os bancos centrais do mundo como suporte, o mercado de opções pode ter disrupções, hedge funds podem liquidar, preços podem ser descobertos... O que se fez e anunciou sexta-feira, atrevo-me a dizer que ficará para a história como um dos maiores erros de intervenção, a par da descida até 1% por parte de Greenspan, ou a política japonesa durante a crise deles. Espero, honestamente, estar profundamente errado! |
Bem vindo e excelente post, concordo plenamente, e esta alteração das regras do jogo, é uma batota que pode ter tido este efeito efémero de grandes subidas mas acho que irá tornar o futuro mais negro na mesma, é apenas um retardar do inevitável. :D
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A actual proposta para o que virá a ser o "RTC-II":
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berrio segundo o pouco que percebi do teu post, neste momento nunca apostarias o teu dinheiro no mercado americano...
Ou existe algum sector mesmo dentro deste mercado que se possa salvar da crise, que as medidas inadequadas irão causar. abraço |
Neste momento não tenho 1 cêntimo no mercado americano...
E se devem existir sectores ou algumas boas stock picks o problema neste momento, para mim, são graves implicações ao nível "macro" (monetário e real estate) e problemas na própria mecânica dos mercados. |
então berrio, neste momento a apostar, com alguma segurança, se é que isto se possa dizer, seria no mercado Português, certo?
abraço |
Eu não sou um fan do PSI-20, por acaso LOL
Acho que é um mercado pouco profundo e iliquido, facilmente manipulado. Se queres estar investido em equities, porque não, em alternativa, o mercado alemão (DAX)? Os dados alemães do último mês até foram melhores que o esperado, e tens ai um mercado mt liquido (e sem barreiras a shorts :ybiggrin:) |
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(JUST KIDDING!) E eu concordo com os investimentos no DAX, a meu ver a futura grande potência económica do mundo ocidental será mesmo a Europa :D Ainda por cima é bem mais estável que os USA em todos os aspectos e nem andamos em guerras nem nada por causa dos Arbustos Sénior e Júnior lol. O PSI20 sim é muito fácilmente manipulável, lembro-me no fim dos anos 90 quando andavamos em grupos a fazer algumas red chips subirem 10 15 20 25% num dia, como a Tertir, Sumolis, Reditus, etc, com a fraca liquidez que tinham, e só as vendíamos 3 dias depois, porque nesses três dias eram as euforias do Bull Market e dos rumores infundados (quantas vezes os jornais não justificavam essas subidas com a possibilidade do Sr. dono da Sumolis estar prestes a partir :lol:). Qualquer um com 10,000 ou 20,000€ na altura já fazia uma delas mexer uma boa percentagem e causar atenção do pessoal, quanto mais em grupos, até a PT conseguiam mexer ligeiramente. Mercados como o DAX e FTSE etc são bem mais líquidos mas eu também prefiro muito mais o DAX, até era o nosso (Europeu) índice mais conhecido entre os traders. Ou para quem quer estar mesmo aqui na Ibéria, porque não o IBEX? Sempre é melhor que o PSI20, bem melhor, e mais líquido, e mais estável e técnico. Mas o DAX é o mais importante nosso. |
Para mim, à parte dos bolds, a parte mais curiosa é esta:
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Quanto ao DAX, nada mais tenho a acrescentar: é o meu preferido. Ou então, para quem não gosta do tamanho do CFD - é 1 euro o ponto, e o "menino" mexe 100 pontos de ATR diários como quem muda de camisa - então o Eurostoxx 500 também é uma boa opção. Trading no fim dos anos 90, só assisti. Há 10 anos atrás ainda não fazia trading, limitava-me a ser o "geek" do 10ºano que andava de Jornal de Negócios debaixo do braço, a ler sobre os "arraiais" :ybiggrin: |
Continuando nesta questão do short selling...
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New York Times on October 18, 1930 Hoje é consensual que o short selling nada teve a ver com o crash de '29 e com a depressão que veio a seguir, mas sim com a politica monetária dos anos '20 - que levou a uma bolha imobiliária, de crédito e no mercado de capitais, com a péssima resposta da Fed e com o padrão ouro que serviu de fio condutor - o padrão ouro coloca a pressão do ajustamento da crise no mais "fraco"... No entanto, a história parece não servir de nada. Quanto ao short selling e a moralidade ou não de se emprestar a acção sem se "saber". Se é possivel argumentar, na minha opinião, que quando se usa uma corretora se está implicitamente a autorizar essa operação e se é recompensado por isso - o short seller paga juros, os dividendos que possa receber, entre outras coisas - [e note-se que eu condeno o naked short selling, aquele que é feito sem pedir as acções emprestadas, mas esse também é marginal ], em vez de proibir o short selling [mesmo que temporariemente] porque não criar um "mercado" onde se possa negociar o direito a esse short? [Dado que cada um de nós tem uma visão diferente desse direito, então porque não, em mercado regulado, negociar esse direito? Assim quem não quer dar as acções para short, ou quer ser bem compensado pode dizer o seu preço, e quem quer shortar paga esse preço - além da taxa de juro. Seria transparente e eliminaria as dúvidas dos mais "incautos"... e retiraria espaço aos reguladores para estas medidas perfeitamente "draconianas" - sim, isto para mim é digno de Kafka, e é para "eleitor" ver] |
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